2 de ago. de 2009

Nossa colaboradora Tassia Regino, nos envia um pouquinho de Quintana e Sabino.

Folheando um presente que ganhei ontem de uma amiga querida, que é a Antologia Poética do Mário Quintana, que o acadêmico Arnaldo Niskier chama de “o poeta da criança brasileira”. Quintana diz que “Só as crianças e os bem velhinhos conhecem a volúpia de viver dia a dia, hora a hora.” No caso do meu sobrinho, que volúpia !!! Ele ganhou de dez a zero todos os dias da tia, que acabava a programação exausta ! Mas foi um ótimo momento de desplugar da tomada de stress ! Aliás quero recomendar “A Era do Gelo III”, como filme infantil: é muito legal.

Enfim, em homenagem a este momento mágico que é a convivência com uma criança e o nascimento de outra, escolhi dividir com vocês uma crônica linda do Fernando Sabino, que fala exatamente deste momento e traz uma tradução linda da missão dos pais diante dos filhos nascidos: “Nada te posso dar senão um nome e esta estrela. Se acreditares em estrelas, vai buscá-la.”

E assim, celebrando nascimentos, alegrias e poetas, desejo a todos e todas um Bom Final de Semana.

Abraços,

Tássia

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DEZ MINUTOS DE IDADE
Fernando Sabino

A enfermeira surgida de uma porta me impôs silêncio com o dedo junto aos lábios e mandou-me entrar.
Estava nascendo. Era um menino.
Nem bonito, nem feio; tem boca, orelhas, sexo e nariz no devido lugar , cinco dedos em cada mão e em cada pé. Realizou a grande temeridade de nascer, e saiu-se bem da empreitada. Já enfrentou dez minutos de vida.
Ainda traz consigo, nos olhinhos esgazeados, um resto de eternidade.
Portanto alegremo-nos. A vida também não é bonita nem feia. Tem bocas que murmuram preces, orelhas sábias no escutar, sexos que se contentam, perfumes vários para o nariz, mãos que se apertam, dedos que se acariciam, múltiplos caminhos para os pés.
É verdade que algumas palavras , melhor fora nunca dizê-las, outras nunca escutá-las. Olhos há que procuram ver o que não podem, alguns narizes que se metem onde não devem. Há muito prazer insatisfeito, muito desejo vão. Mãos que se fecham. Pés que se atropelam.
Mas o simples ato de nascer já pressupõe tudo isso, o primeiro ar que se respira já contém as impurezas do mundo. O primeiro vagido é um desafio. A vida aceitou o novo corpo e o batismo vai traçar-lhe um destino. A luta se inicia: mais um que será salvo. Portanto alegremo-nos.
Menino sem nome ainda, não te prometo nada. Não sei se terás infância: brinquedo, quintal, monte de areia, fruta verde, casca de árvor e, passarinho, porão fantasma, formigas em fila, pão com manteiga, beira de rio, galinha no choco, caco de vidro, pé machucado.
O mundo hoje, tal como estou vendo da janela do meu apartamento, desconfio que te reserva para a infância um miraculoso aparelho eletrocosmogônico de brincar ou apenas uma eterna garrafa de coca-cola e um delicioso chica-bom.
Aceita, menino, esses inofensivos divertimentos. Leva-os a sério, com aquela seriedade da infância; chupa o chica-bom, bebe a coca-cola, desmonta e torna a mo ntar a miraculosa máquina de brincar de nosso século, que a imaginação de teu pai jamais poderia sequer conceber.
Impõe a essas coisas e a essa vida que te oferecerão como infância a sofreguidão de tua boca, a ousadia de teus olhos e a força de tuas mãos. Imprime a tudo que tocares a alegria que me destes por nasceres.
Qualquer que seja a tua infância, conquista-a, que te abençôo. Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também - e vai viver, em meu nome. Nada te posso dar senão um nome.
Nada te posso dar. No teu primeiro instante de vida a minha estrela não se apagou. Partiu-se em duas e lá no alto uma delas te espera, será tua. Nada te posso dar senão um nome e esta estrela.
Se acreditares em estrelas, vai buscá-la.

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